Você já reparou que algumas crianças (ou adultos) se incomodam demais com barulhos, luzes, toques ou texturas — mais do que a maioria? Ou então que ignoram estímulos, parecendo “desligadas” pro que acontece ao redor? Isso pode ser algo que chamamos de Transtorno do Processamento Sensorial (TPS), ou Sensory Processing Disorder (SPD).

O que é TPS?

TPS é uma condição em que o cérebro tem dificuldade de receber, organizar, interpretar ou responder apropriadamente aos estímulos sensoriais. Estímulos como sons, luzes, texturas, movimentos, cheiros ou sabores podem:

parecer exagerados (hiper-responsividade): o barulho da porta se fechando parece um trovão, o toque de uma roupa é quase doloroso, etc.;

parecer insuficientes (hipo-responsividade): a criança não percebe quando alguém fala com ela, ou parece pedir estímulos fortes o tempo todo (“procura sensação”);

ou haver uma mistura desses padrões.

Não é uma questão de “falta de educação” ou “capricho” — há bases neurológicas para isso.

Evidências científicas

Aqui vão alguns estudos que mostram que o TPS existe de fato e que importa:

Base biológica: Pesquisadores da UCSF identificaram diferenças estruturais no cérebro de crianças com dificuldades de processamento sensorial, comparadas a crianças típicas — nas áreas de “matéria branca” que ligam regiões que processam estímulos sensoriais. 

UCSF Radiology

Impacto acadêmico e comportamental: Em crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), dificuldades sensoriais como filtragem auditiva (não conseguir “ignorar” sons) ou sensibilidade ao toque estão fortemente associadas a problemas de atenção, de comportamento, de desempenho escolar. 

 

Prevalência entre crianças com diferentes perfis: Em um estudo comparativo, crianças com TEA apresentaram disfunções sensoriais no SSP (“Short Sensory Profile”) em 95% dos casos, comparadas a crianças típicas. 

 

Avaliação confiável: Há revisões sistemáticas que listam instrumentos de avaliação sensorial (questionários, entrevistas, testes com observação) para crianças de 0 a 14 anos. Esses instrumentos identificam com boa confiabilidade quem possui padrões sensoriais atípicos. 

 

Intervenção efetiva: A Integração Sensorial de Ayres (Ayres Sensory Integration, ASI) é uma abordagem terapêutica que tem sido identificada como prática baseada em evidência para pessoas com autismo, mostrando-se útil para melhorar respostas comportamentais e funcionais sensoriais. 

 

Por que isso importa

Porque o TPS pode afetar muito o dia a dia:

o sono (sons ou toques podem impedir de dormir bem);

o aprendizado (distrair-se fácil com barulhos ou estímulos visuais);

o comportamento emocional (ansiedade, irritabilidade, medo de certas situações físicas);

as relações sociais (evitar amigos, evitar contato físico, se sentir “desconfortável” em ambientes comuns).

Se não for reconhecido, pode parecer que a criança “não presta atenção”, “é bagunceira”, ou “faz birra”. Muitas vezes não é isso — é o mundo externo sendo sentido de modos que a maioria não percebe.

O que fazer (algumas orientações práticas)

Aqui vão sugestões simples, diretas, que podem ajudar se você suspeita que alguém próximo (filho, aluno, amigo) sofre com TPS:

Observar padrões: em que situações a sensibilidade surge (texturas, luz, som, etc.).

Registrar o que funciona ou piora (por exemplo, uso de protetores auriculares, luz mais suave, evitar roupas com costuras grossas).

Procurar profissionais: terapeutas ocupacionais, neuropsicólogos, fonoaudiólogos — que tenham experiência com processamento sensorial.

Intervenções específicas: integração sensorial, ambientes adaptados, rotinas previsíveis, pausas sensoriais (momentos de descanso).

Apoio emocional: validar os sentimentos da criança / pessoa (“sei que esse barulho te incomoda” etc.) ajuda bastante.

Limitações e o que ainda se estuda

Para manter o pé no chão: TPS não está formalmente listado como diagnóstico independente no DSM-5 com seus critérios próprios da mesma forma que autismo ou TDAH. Muitos estudos trabalham com crianças que têm TEA ou outros transtornos, e verificam que elas têm também sintomas sensoriais. 

 

Há também debate sobre quais ferramentas são melhores para avaliação, e quão grandes ou universais são os benefícios das terapias de integração sensorial. É área ativa de pesquisa.

 

Fonte:https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32150712/